XXXIII.

Uma vida sem nenhuma fábula, a dela. Andar pelas ruas. Voltar para casa. Segurar a xícara de café. Acender o cigarro. Sentir o cheiro do alho reverberando na cozinha. Etceteramente. “Há algum mal em viver assim?”, pergunta a si mesma. Um psiquiatra chamou isso de pobre cotidiano, vida limitada; mas que cotidiano não é pobre e que vida não é limitada, por fora, por dentro, por entre? Além do que, tem seus passatempos: inventa perguntas, ciente da incapacidade crônica para suas respostas; e enquanto as inventa não morre menos do que as outras pessoas, apenas torna a morte menos importante, e faz da vida uma coisa suspensa que a ofusca menos. Está mesmo sempre tentando um diálogo com seu “eu” que vive, e com o que morre e com o que sonha; o “eu” da casa e o “eu” fora da casa. Se a partir do século XX, o eu da casa não é mais o senhor da própria casa, se é que tenha sido algum dia, o seu “eu” começa a desconfiar, apenas desconfiar que sequer a casa exista. O corpo habita as palavras, ou as palavras habitam o corpo? Não é porque se tem certeza que o dente antecedeu a pasta de dente e de que a morte a espera que vai deixar de fazer as mais inóspitas ou mesmo as mais inúteis.