¨ sobretudos..

O homem chega em casa. Tira o casaco, tira a blusa, tira a camiseta térmica, tira a casca – e fica nu, o homem. Se despe, até ficar só um caroço, só a semente, semente que brota e dá vida e vive como outras formas lindas, árvores frondosas e complexas, compostas por galhos retorcidos e folhas esmeramente contornadas. O homem, quando chega em casa, vira uma semente que brota. Aí, então, ele tem que sair. A vida é difícil, e todos sabem disso. E ele coloca a casca, a camiseta térmica, a blusa, o casaco: o-r-d-e-n-a-d-a-m-e-n-t-e. E fica embalado como um produto na prateleira, produto que tem valor calórico, peso líquido e bruto, produto que tem uma alma, uma idade, um estilo. O homem, quando sai de casa, vira aquele produto de prateleira. A semente está ali dentro, escondida bem no fundo da embalagem, sufocada, asfixiada, pronta para um ataque cardíaco. A semente não brota assim. Alguém já viu semente brotar sem ar? E aí o homem vira só um produto.

Tiro tudo, tiro roupa, tiro casca, cheguei em casa, ufa! Como uma cadeira de balanço, pode ser a da vovó, me sinto mais verdadeira sem as almofadas, sem a estampa das almofadas – me sinto mais verdadeira só com a minha estrutura. O meu eu eu eu eu. Verdadeiríssimo eu. Só a estrutura, esta é a verdadeira cadeira de balanço. Quando saio de casa, é almofada, capa pra almofada e tantas tantas outras coisas que eu me perco de mim, que eu não sei quem sou, quem aparento ser, como quero aparentar ser para quem vai sentar em mim, para quem quiser me comprar quando eu me transformar em um produto, assim que eu sair de casa. E fico desesperada pra voltar ao âmago de mim, à minha casa, onde eu possa, sozinha, voltar a ser uma semente, uma só estrutura, longe das capas que escondem a semente que brota, só com ar, só com ar, já disse.

O homem chega em casa. Vira uma só estrutura. Uma semente que brota, que dá vida e vive uma forma linda, mas complexa, dolorida, como os galhos retorcidos de uma árvore. O homem chega em casa e chora e ri e se sente sozinho e se engana, porque uma companhia existe, como o pratinho que vive ao lado da cadeira de balanço da vovó. A companhia existe, ela é certa, mais material do que aparenta. A companhia é a vida quando perde o seu fio, a indesejada das gentes, aquilo que persegue a semente do homem com ou sem sobretudos.