¨ a mulher de oitenta..

Vinícius de Moraes poderia cantarolar olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é uma velhinha que vem e que passa, no doce balanço a caminho do lar. Pois, se existe uma mulher que é realmente do lar, ela tem oitenta anos.
Me responda: existe alguma coisa mais bonita do que ver uma senhora de oitenta anos, aqueles cabelos brancos (mulher honesta de oitenta não pinta mais os cabelos, caminhando pela rua de mãos dadas com o marido, bem mais trôpego do que ela? Quantas vidas existem naquelas duas mãos entrelaçadas? Quantos filhos, netos e bisnetos? Quanta vida, quanta história. Quanta gente aquela mulher de oitenta colocou no mundo? E agora lá vai ela, caminhando sem pressa nenhuma, sabe lá pra onde. Ela e o homem dela. eternos enquanto duram.
É, já não se fazem mais mulheres como as de oitenta. A fórmula parece que foi escondida e é apenas utilizada em poucas mulheres das outras gerações. Mulher de um só amor, de uma só dedicação.
As mulheres de oitenta se dividem basicamente em três categorias: as ainda casadas (como sofreram com seus maridos há algumas décadas!), as viúvas (como sofreram com a morte dos seus maridos!) e as co mal de Alzheimer (que não sofrem, porque não sabem mais).
O incrível é que a gente olha pra uma velhinha e pensa que ela não saca mais nada.. Que está apenas alí sentada na porta esperando o próprio enterro passar. Lêdo e lerdo engano. Aquela que faz aniversário com os filhos, netos, bisnetos a sua volta. Olha ela lá, na dela, sentada olhando o nada. Enganam-se, meus filhos! Ela está percebendo tudo. Ela sabe o que está rolando na festinha da bisa. Quem trai quem, quem deve pra quem, quem odeia quem, dentro dos seus próprios descendentes. Mas ninguém da bola pra ela.
A mulher de oitenta é a mais sábia das mulheres.
Ela já teve trinta, achando que sabia de tudo. Já teve quarenta dizendo: agora é que eu sei. E aí foi indo até chegar alí. Cada vez mais conhecendo o mundo e as pessoas do mundo, quando vê o presidente dizendo besteira na tv, ninguém pergunta o que ela achou. Têm certaza que ela vai dizer besteira. Mas, se ousarem perguntar, vão ouvir uma frase curta, perfeita, exata. Quase filosófica. As mulheres de oitenta filosofam. Pena que quase ninguém as ouve.
Você deve achar que uma velhinha não pensa mais em sexo. Imagina! Então me diga: em que idade parou, se sempre pensou cada vez mais durante os vinte, trinta, quarenta, et cetera? Será que chegou uma idade e ela disse para si mesma "hoje vou parar de pensar em sexo"? Negativo. Pensa, e muito! Descobrem em certa idade que o prazer com certeza não deve ser pecado. E vão para o céu, as danadinhas. Cantando os anjos com ou sem trombetas.
Quanto aos que tem o mal de Alzheimer (antigamente eram apenas caducas. Pioraram o nome e ainda não encontraram o remédio), não sabem o que está acontecendo no mundo. Sua mente não garda nada do presente (o que tem lá suas vantagens), mas se lembram do passado como se fosse ontem. pergunte sobre o balie de debutantes, como ela conheceu o marido dela, daquelas quadrilha, das fofocas familiares dos anos 30. um diário do passado vai invadir sua cabeça e seus olhos vão ficar brilhando.
Ah, as mulhres de oitenta com seus cabelos brancos, seus óculos redondos, seus terços e suas caixinhas de remédios.
Sábias, filósofas, boas.
Gente finíssima.

Elas, sim, merecem parabéns muito mais do que nós.